segunda-feira, 18 de julho de 2011

Quem é o seu advogado?



Muitas pessoas associam a palavra “advogado” ao enfrentamento de problemas. Já perdi a conta de quantas vezes me apresentei a amigos e conhecidos como advogado e recebi deles a resposta: se eu tiver problemas, vou procurá-lo!

Todavia, o advogado não serve apenas para resolver problemas – ele também pode ajudar, de forma determinante, a evitá-los. A maioria dos problemas sequer aconteceria se as pessoas tivessem o hábito de consultar, com mais freqüência, um advogado de sua confiança.

A popularização do ensino do direito não trouxe apenas problemas (tais como a dificuldade dos bacharéis em serem aprovados no Exame da OAB e a saturação de advogados no mercado), mas também trouxe soluções, dentre elas, uma maior proximidade das pessoas com os advogados. A maioria das pessoas tem um advogado na família (ainda que seja um parente distante), tem amizade ou conhece um destes profissionais.

É importante que as pessoas passem a ter o hábito de consultar e de serem assistidos por advogados, mesmo em questões que, a princípio, não exigiriam o suporte ou a presença de um causídico.

Muitos problemas podem ser evitados com a ajuda de um advogado. Negócios como a compra e venda de bens entre particulares, o aluguel de um imóvel, a contratação de um prestador de serviços, as relações de consumo em geral, dentre outros, podem ser realizados com maior segurança, responsabilidade e garantia quando as partes são assistidas por advogado.

A Constituição Federal e a legislação preveem uma série de direitos e garantias individuais que muitas pessoas ainda desconhecem.

Vamos a um exemplo: uma pessoa vende um veículo a um conhecido. Ambos procuram um escritório qualquer que lhes faz um contrato simples de compra e venda, prevendo apenas o pagamento a prazo, a imediata entrega do bem vendido e outras disposições de praxe, como valor e qualidades do veículo. Ou então apenas copiam um modelo de contrato da Internet, preenchem e assinam.

O problema surge quando uma das partes deixa de cumprir com o prometido. Ninguém se casa já pensando em separar-se (assim creio); porém, todos os dias ocorrem dezenas de divórcios. Todo contrato deve ser feito de forma a garantir o máximo de direitos à parte menos favorecida da relação contratual e prever os direitos e deveres de cada parte no caso de descumprimento.

No caso do exemplo (compra e venda de veículos entre particulares com pagamento a prazo) contrato deve prever (1) a cláusula de reserva de domínio (significa que se o devedor não pagar as parcelas, o credor pode pedir ao juiz que o faça restituir a coisa, de forma semelhante à busca e apreensão feita pelos bancos quando o devedor não paga as parcelas do veículo); e (2) o vencimento antecipado das demais parcelas, no caso de não pagamento de apenas uma. Com isso, evita-se uma série de problemas na cobrança do valor devido e ainda vincula-se o bem vendido como garantia do pagamento.

Estas cláusulas também podem constar em contrato entre particulares; não são um direito exclusivo dos bancos – que aliás, usam e abusam dos mesmos.

Este é apenas um exemplo real de como o credor poderia evitar problemas com a ajuda de um advogado. Como seu contrato não tinha qualquer destas previsões, ele teve que ajuizar uma ação comum de cobrança para tentar receber o valor que não foi pago pelo devedor.

As pessoas devem aproveitar a proximidade com um advogado para consultá-lo com maior freqüência. A Ordem dos Advogados do Brasil prevê que determinado valor deve ser cobrado por uma consulta – atualmente R$ 206,73 (Duzentos e Seis Reais e Setenta e Três Centavos) – entretanto, existem casos mais simples, consultas rápidas que podem ser feitas até por telefone, que ajudariam a esclarecer muitas coisas e evitar uma série de problemas, pelas quais o valor cobrado seria muito menor, ou talvez, nenhum valor seria cobrado.

Conforme diz o ditado: é melhor prevenir do que remediar – e isso também se aplica ao direito em geral e, principalmente, aos processos judiciais. Identifique um advogado de sua confiança (não vai faltar escolha!) e passe a contar com a ajuda dele para evitar problemas ao invés de apenas enfrentá-los depois que já se instalaram e tiraram o seu sossego.

O advogado é indispensável para a administração da Justiça; porém, sem as pessoas, suas dúvidas, conflitos, inquietações e inclusive problemas para resolver– o advogado para pouco ou nada serve. Para nós, resolver problemas é praxe. Para as pessoas em geral, porém, o processo judicial gera um custo financeiro e emocional que poderia ser evitado com uma simples consulta.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A inconstitucionalidade da Súmula 385 do STJ - Parte 2

A Constituição Federal de 1988 estabelece como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III). Elenca entre os objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade justa e a promoção do bem estar geral sem qualquer forma de discriminação (Art. 3º incisos I e IV).

Dispõe entre as garantias fundamentais dos indivíduos a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, garantindo o direito à reparação pelo dano moral, conforme a extensão da lesão sofrida (incisos V e X)

O Dicionário de Língua Portuguesa conceitua a inviolabilidade como a qualidade daquele que não se pode ou não se deve violar; aquele que está legalmente protegido contra qualquer violência.

A Constituição não prevê exceções aos dispositivos supramencionados. Ela simplesmente afirma que o Brasil existe com a finalidade de respeitar o ser humano sem qualquer discriminação. Prevê que a República - e isso inclui os seus Poderes, dentre eles o Judiciário – deve garantir a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, além de garantir reparação pelos danos sofridos.

Não é isso que o Poder Judiciário afirma no texto da Súmula nº. 385 do STJ. Conforme já criticado em artigo anterior, menciona tal súmula que “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”.

A súmula garante o direito ao cancelamento da inscrição indevida. Entretanto, afasta a indenização pelo dano moral quando, por motivo justo, outra empresa ou pessoa já tiver incluído o consumidor no rol de maus pagadores.

Salvo melhor juízo, a aplicação desta súmula nega vigência aos mencionados artigos da Constituição Federal, pois afirma expressamente que aquela pessoa que já estiver inserida no cadastro de proteção ao crédito não terá direito à indenização pelo dano moral sofrido caso ocorra uma inclusão indevida.

Cumpre destacar que o dano moral sofrido no caso de negativação indevida é considerado in re ipsa, ou seja, presumido. Trata-se de um dano que não depende de prova: comprovada a inscrição indevida, o juiz condena o violador à reparação pelo dano moral.

Tal entendimento se dá pelo fato de que tais cadastros são públicos e acessíveis por um número indeterminável de pessoas. Para configurar o dano moral, não é preciso que a pessoa esteja prestes a comprar algo a crédito e seja impedida. Basta unicamente a inscrição indevida para fazer surgir o direito à reparação pelo dano moral, que se presume.

Assim sendo, o que se observa é uma gritante ofensa ao princípio da igualdade. Imaginemos o seguinte exemplo: dois consumidores tem seus nomes incluídos, indevidamente, no SPC ou SERASA. O primeiro, não tem qualquer inscrição indevida em seu cadastro. O segundo, porém, deixou de pagar uma conta há alguns meses e o credor incluiu o débito no rol de maus pagadores.

Suponhamos que ambos procurem um advogado de sua confiança e ajuízem uma ação na Justiça, com o objetivo de retirar a negativação indevida e receber indenização pelo dano moral sofrido.

Pois bem: o primeiro, que tinha o nome limpo, terá o direito à retirada da informação negativa e à reparação por danos morais; o segundo, porém, poderá ter decretada a retirada da negativação injusta, porém não receberá qualquer reparação pelo dano moral.

Ora, é o mesmo que dizer que aquele que já deve para alguém não tem moral alguma que tenha que ser protegida. Além disso, é o mesmo que dizer que aquele que não deve é uma espécie de ser superior, que merece a reparação enquanto o outro, não. Ambos sofreram o mesmo dano – que se presume – entretanto, receberam tratamento diverso quando recorreram ao Poder Judiciário pedindo proteção.

Ora, o ser humano, considerado individualmente, é hipossuficiente, é frágil diante das organizações que atualmente existem no mercado. Quando ajuíza uma ação na Justiça, está literalmente pedindo “socorro”. Espera fazer pesar a mão da Justiça sobre aqueles que o afligem. Porém, não é isso que está acontecendo. Vejamos um dos muitos acórdãos do STJ:

EMENTA: AÇAO DE INDENIZAÇAO. DANOS MORAIS. INSCRIÇAO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. COMUNICAÇAO PRÉVIA. CDC , ART. 43 , 2º. EXISTÊNCIA DE OUTRO REGISTRO. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇAO.
I - Afasta-se a pretensão indenizatória pois, conforme orientação da Segunda Seção desta Corte," quem já é registrado como mau pagador não pode se sentir moralmente ofendido pela inscrição do seu nome como inadimplente em cadastros de proteção ao crédito "(REsp 1.002.985/RS , Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 27.08.2008).

Será que eu li direito? Deixa eu ver se eu entendi: O Superior Tribunal de Justiça está dizendo que quem já está registrado como mau pagador NÃO PODE SENTIR-SE MORALMENTE OFENDIDO pela inscrição indevida em seu nome? Como assim “NÃO PODE sentir-se moralmente ofendido”? Por acaso o STJ tem poderes sobrenaturais, paranormais, para dizer como uma pessoa pode ou não se sentir? Por acaso tem poderes excepcionais para determinar como devem se comportar os sentimentos?

O lamentável entendimento desposado nestes julgados simplesmente afirma que não há reparação por danos morais para o consumidor que é incluído indevidamente no SERASA, SPC e congêneres, quando o mesmo já figurava neste cadastro por uma anotação válida.

Ocorre que o dano moral é presumido: ele não se verifica em virtude de eventual operação de crédito frustrada ou na inaptidão hipotética de contratar crédito. Ele se baseia, simplesmente, na disponibilização de informações negativas FALSAS a um número indeterminado de pessoas.

Conforme já afirmei no outro post (http://crcandido.blogspot.com/2010/12/inconstitucionalidade-da-sumula-385-do.html) teremos que esperar o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, manifestar-se sobre este abuso institucionalizado, ou ratificar o lamentável entendimento do STJ.

terça-feira, 5 de julho de 2011

A obesidade é obstáculo à inserção do trabalhador no mercado


Esta semana (dia 03/07/2011) o Fantástico exibiu uma reportagem a respeito de denúncias de abuso sexual praticado pelo médico Benedito Calixto durante a realização de exames admissionais em Peruíbe, no litoral paulista. (Link para o vídeo da reportagem: http://www.youtube.com/watch?v=n47A0y6Qh2E).

O exame admissional tem o objetivo de aferir o estado de saúde das pessoas que já foram selecionadas pelas empresas por meio de processos seletivos. Não deve ser um exame aprofundado nem invasivo. Não deve servir para coagir ou discriminar o candidato.

O exame serve para que sejam identificados eventuais problemas de saúde que prejudicariam o trabalho daquele colaborador e para evitar que seja alegado, no futuro, que o trabalho na empresa deu origem a doenças que, de fato, já existiam na época da contratação.

Há inúmeros relatos de mulheres que foram vítimas de abuso sexual e constrangimento em exames de rotina e admissionais. Todavia, não são apenas as mulheres que sofrem com as práticas abusivas exercidas nestes exames. Tenho recebido relatos de práticas abusivas contra obesos em exames admissionais, principalmente por parte de trabalhadores das áreas operacional e técnica, funções que geralmente exigem maior movimento do corpo.

De acordo com estas pessoas, o médico, ao se deparar com um candidato obeso, começa a fazer uma série de perguntas – e a duvidar das respostas. Tais perguntas referem-se ao nível de açúcar e colesterol no sangue, capacidade e resistência para trabalhos manuais, dentre outros. No exame físico, ocorrem exames detalhados nas pernas em busca de varizes e geralmente são exigidos exames complementares antes do aval do médico à contratação do funcionário. Não raras vezes são exigidas radiografias dos joelhos e da bacia, além de eletrocardiogramas.

Tais exames adicionais devem ser feitos às custas do candidato obeso, pois, se os custos forem repassados à empresa, a probabilidade do trabalhador ser contratado é ainda menor. Várias pesquisas já demonstraram que pessoas obesas tem maior dificuldade para inserirem-se no mercado de trabalho, mesmo apresentando a qualificação e a experiência exigidas. (http://noticias.r7.com/videos/pesquisa-mostra-que-obesos-tem-mais-dificuldade-para-conseguir-emprego/idmedia/16d2eeeee35ec22512e1e1d226e226c5.html)

O trabalhador obeso, quando contratado, depara-se com outras dificuldades, tais como a inexistência de uniformes para o seu tamanho, o desconforto no posto de trabalho e o preconceito de gestores e colegas, dentre outros. Geralmente a pessoa obesa é tachada de preguiçosa, lerda, molenga e incapaz para executar trabalhos manuais.

Trata-se de um problema sério, pois as empresas queixam-se da falta de mão de obra nos setores operacional e técnico, principalmente na construção civil; enquanto isso, segundo o IBGE (dados divulgados em 2010) 50% dos homens e 48% das mulheres brasileiras apresentam obesidade ou sobrepeso. Ou seja: embora sobrem vagas, há muitas pessoas obesas que são impedidas de voltarem ao mercado de trabalho.

Se o obeso procura ajuda médica e tenta afastar-se do trabalho, recebendo o benefício de auxílio-doença do INSS, a discriminação e o preconceito assumem suas facetas mais perversas: dificilmente o obeso consegue o afastamento, sendo vítima até de piadas por parte dos peritos do INSS.

O obeso encontra-se em uma situação complicada: é discriminado pelas empresas que não o contratam e também não consegue receber o benefício previdenciário a que tem direito para que possa tratar de sua doença.

Enquanto enfrenta esta situação sozinho, é visto com maus olhos pela sociedade em geral e até por familiares: as pessoas duvidam de sua força de vontade e de seu caráter, acreditam que a pessoa está obesa “porque quer”, porque “não pega no pesado”, porque não freqüenta uma academia, porque "só sabe comer", porque não sabe se controlar, etc.

A obesidade é um grave problema de saúde e não tem sido enfrentada de forma apropriada pelas políticas públicas de saúde. Trata-se de uma doença cujas conseqüências matam mais que o câncer e outras causas externas (homicídios, acidentes, etc.) somados (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=24421). Qualquer pessoa em sã consciência não quer caminhar a passos largos para a morte e muitas pessoas não são obesas simplesmente porque querem ser assim.

O descaso e o preconceito agravam o problema, gerando desestímulo e estresse. Muitos compensam isso na alimentação e reiniciam o círculo vicioso.

Porém, o que esperar de um Governo que nega o gritante problema das drogas, que faz vista grossa à gritante massa de zumbis do crack que circulam em todas as cidades brasileiras? Não podemos esperar grande coisa além da negação e do faz-de-conta... (http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/dilma-resolveu-o-problema-do-crack-em-cinco-meses-governo-decreta-que-o-problema-nao-existe-e-uma-%E2%80%9Cgrande-bobagem%E2%80%9D/)

Se o Governo Federal é capaz de chamar o grave problema do crack de “uma grande bobagem”, não me atrevo a imaginar o nome que dariam ao grave problema da obesidade...

Creio que cada pessoa deve assumir a responsabilidade pela sua própria vida e procurar fazer as mudanças necessárias para melhorar sua saúde, ter melhor qualidade de vida e, de quebra, melhorar sua empregabilidade. Nossas leis protegem o negro, o índio, o deficiente, o idoso e o homossexual. Porém, fazem vista grossa para os obesos – logo os que poderiam ser vistos com maior facilidade – afinal de contas, são maiores que os outros, não são?

domingo, 3 de julho de 2011

Repetição de Indébito dos Tributos Sujeitos à Repercussão Econômica


Procura-se, de forma objetiva, simples e direta, tratar acerca da repetição do indébito tributário nos tributos sujeitos à repercussão econômica, ou seja, os chamados tributos indiretos.
Com o aumento do nível de consumo do povo brasileiro, observa-se uma tendência do legislador à imposição de tributos indiretos, tendo em vista que os mesmos, em sua maioria, estão ligados ao consumo. Os tributos indiretos são juridicamente constituídos para atingir a capacidade contributiva de terceiro, alheio à relação jurídico-tributária imposta pela Lei. No caso dos impostos sobre o consumo, o que se objetiva é atingir a capacidade contributiva do consumidor.
É evidente que o Poder Público, no afã arrecadatório, visa obter cada vez mais recursos para os cofres públicos, editando, muitas vezes, normas tributárias em desalinho com a legislação pátria e a Constituição Federal. Tais normas, quando consideradas ilegais e inconstitucionais pelo Poder Judiciário, acarretam ao sujeito ativo da relação tributária a obrigação de devolver os recursos recebidos dos contribuintes.
Tal devolução, porém, é prejudicada quando se trata de tributos indiretos. Para obter a restituição dos tributos pagos indevidamente, o contribuinte de direito precisa provar que não transferiu o encargo tributário ao terceiro ou obter autorização expressa deste para que restitua os valores pagos indevidamente. O terceiro, por sua vez, não possui legitimidade ativa ad causam para postular a repetição, de forma que os recursos pagos indevidamente continuam nos cofres públicos, sem possibilidade de restituição.
Além disso, há casos em que a declaração de inconstitucionalidade não produz efeitos ex tunc, ou seja, não retroage para beneficiar os contribuintes que recolheram tributos indevidamente. Tal limitação de eficácia das decisões dos tribunais superiores está baseada na própria lei, nos casos em que são obtidas por meio do controle concentrado de constitucionalidade. No controle difuso a aceitação da modulação dos efeitos é uma construção jurisprudencial.
Sob o ponto de vista do contribuinte, tais mecanismos revelam-se injustos, pois permitem ao fisco o enriquecimento ilícito em virtude de um erro do contribuinte de direito ou da própria instituição de tributos por meio de normas posteriormente julgadas ilegais e/ou inconstitucionais.
Desta forma, muitos acreditam que são necessárias reformas no Código Tributário Nacional que reflitam a realidade dos empreendedores brasileiros, que, ao recolherem tributos indevidamente, vêem-se impossibilitados de reaver os valores pagos.
Ocorre que, diante da lentidão do Poder Judiciário em manifestar-se definitivamente acerca de determinadas matérias tributárias, há hipóteses em que a eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade poderia causar enormes rombos aos cofres públicos, além de uma enxurrada de ações com o mesmo pedido daquela que tiver sido julgada procedente no controle difuso de constitucionalidade.


1. TRIBUTOS DIRETOS E INDIRETOS


Segundo Sabbag (2009, p. 1038) tributos diretos são aqueles cujo ônus é suportado pelo próprio contribuinte, e indireto quando tal encargo for transferido para terceiros.
Rosa Jr (2009, p. 66), afirma que não existe unanimidade quanto a um critério único de distinção, porém os mais comumente adotados são o da repercussão econômica, o administrativo, o da natureza da situação gravada e o da capacidade contributiva.
Ainda na lição de Rosa Jr (2009, p. 67) não existe lei que determine a repercussão ou não do tributo, mas é pela observação de tais critérios que o tributo indireto é identificado. O que mais nos interessa para fins do presente trabalho é o critério da repercussão ou translação dos tributos. No que diz respeito à repercussão econômica,
Impostos indiretos são aqueles que, por sua natureza, se prestam à repercussão, podendo o ônus tributário ser transferido pelo contribuinte designado pela lei (contribuinte de direito) para outra pessoa que suportará, em definitivo, e ao final do processo econômico de circulação de riquezas, a carga tributária (contribuinte de fato). (ROSA JR., 2009, p. 67).

Não basta que a transferência do encargo seja meramente matemática. Na linha de entendimento do STJ, a identificação dos tributos que não comportam transferência econômica é feita por meio dos critérios normativos e não em razões de ciência econômica. A transferência a que se refere o CTN é a transferência jurídica do encargo financeiro, não apenas econômica.
De outra forma, qualquer tributo seria indireto, pois é evidente que as empresas incorporam todos os seus custos ao preço de seus produtos e serviços, caso contrário sua atividade seria deficitária e com o tempo se mostraria inexeqüível. Assim, conforme o STJ, comportam transferência os tributos cujo fato gerador envolva uma dualidade de sujeitos, ou seja, o fato gerador é uma operação; tributos cujo contribuinte é pessoa que impulsiona o ciclo econômico podendo transferir o encargo para o outro partícipe do mesmo fato gerador (STJ, 1ª. T., REsp 118488, rel. Min. José Delgado, DJU 06/10/1997).
Desta forma, a transferência meramente econômica ou financeira do tributo ao preço do produto pago pelo contribuinte não significa que tal tributo tornou-se indireto. Desta forma, tributos diretos como IPTU e IPVA pagos pela empresa indevidamente não precisam de anuência do contribuinte de fato para serem repetidos.
Os tributos indiretos geralmente são calculados “por dentro”, o que acaba fazendo com que integrem a base de cálculo de outros tributos, e ainda possuam alíquota efetiva muito maior do que a nominal, prevista em lei:
Essa tributação por dentro, em que o imposto recai sobre si próprio, implica aumento da alíquota real. O ICMS, por exemplo, que tem a alíquota legal de 18%, se calculado por dentro, como determina a legislação tributária, corresponderá a uma alíquota real de 20,48% (HARADA, 2010).

Estes critérios adotados pelo poder público atentam contra o princípio da transparência tributária inserida no § 5º. do Art. 150 da Constituição Federal. A Constituição Prevê que “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”; porém, mediante a instituição de uma quantidade cada vez maior de exações na modalidade indireta, o Estado vem agindo exatamente da maneira contrária ao dispositivo constitucional.


2. REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO

A princípio, todo tributo pago indevidamente pelo contribuinte deve ser devolvido pela fazenda pública. Não importa se tal pagamento se deu em virtude de erro do próprio contribuinte, como por exemplo, na aplicação incorreta de uma alíquota para o cálculo do tributo, ou ainda se o pagamento foi feito em obediência a uma lei considerada inconstitucional em momento posterior. O fato é que a fazenda pública deve fazer a restituição.
Todavia, esta restituição não ocorre de plano. No caso das requisições de pequeno valor, em que não há discussão acerca da obrigatoriedade da resolução ou de seu valor, a devolução do tributo se faz por meio de processo administrativo, após curto espaço de tempo para a verificação dos argumentos aduzidos pelo contribuinte em seu petitório junto à administração.
Todavia, existem casos que comportam acirrada discussão, nos quais se verifica a relutância do Poder Público em devolver ao particular os recursos indevidamente recolhidos aos seus cofres. É nestes casos em que se torna obrigatório o ajuizamento da ação de repetição de indébito tributário, com todas as implicações e discussões que giram em torno do presente tema.
A repetição do indébito tributário pode se dar tanto de forma isolada, em ação autônoma, ou em conjunto com outra ação que declare a inexistência de relação jurídico tributária, anulatória de débito fiscal ou mandado de segurança no qual se discuta alguma destas duas questões. Na lição de Sabbag (2009, p. 1037) a ação de repetição de indébito é classificada como uma ação de conhecimento de natureza condenatória. O objetivo é o reconhecimento da obrigação que a Fazenda Pública tem de restituir o indébito ao contribuinte.
Esta obrigação decorre principalmente do principio da vedação ao enriquecimento sem causa, segundo o qual, “aquele que recebe o que não lhe era devido é obrigado a restituir”. Todos devem submeter-se a este princípio, inclusive pela Fazenda Pública. Desta forma, o direito à repetição do indébito tributário está claramente previsto no Código Tributário Nacional. Seu Art. 165 assim dispõe:
Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4 do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

(...)

Assim, não restam dúvidas de que o tributo recolhido indevidamente deva ser restituído ao contribuinte. Tal devolução, porém, precisa ser pleiteada dentro do lapso temporal previsto em lei para a mesma. O indébito tributário está sujeito aos prazos prescricionais mencionados a seguir.

2.1. Prescrição do Indébito Tributário


A repetição do indébito tributário não pode ser feita a qualquer tempo. Existem limites temporais ao exercício da maioria dos direitos, e tal balizamento é feito pelo instituto da prescrição. A questão da prescrição do indébito tributário já foi objeto de várias discussões até ser pacificada pelos tribunais superiores.
A discussão maior se deu em torno dos tributos sujeitos a lançamento, na qual desenvolveu-se a tese dos “cinco mais cinco”. Tributos sujeitos a lançamento são aqueles em que o próprio contribuinte realiza a declaração do imposto devido e faz o recolhimento, sem intervenção da Fazenda Pública.
Todavia, nesta apuração “doméstica” dos tributos podem ocorrer falhas, tanto a favor do contribuinte (sonegação) como a favor da Fazenda (indébito). De igual forma, há casos em que o tributo é instituído, cobrado e, posteriormente, quando questionado judicialmente, vem a ser declarado ilegal ou inconstitucional. O indébito tributário é composto pelos valores recolhidos à Fazenda indevidamente, tenham eles sido recolhidos sem base legal ou recolhidos em valores superiores aos exigidos em lei.
Conforme o artigo 150 do Código Tributário Nacional, o lançamento por homologação ocorre quando a legislação tributária atribui ao próprio contribuinte o dever de antecipar o pagamento do tributo, sem exame prévio ou aprovação por parte da autoridade administrativa. Trata-se de ato exclusivo do sujeito passivo do tributo, que apura o imposto e realiza o pagamento. Desta forma, apurado o imposto e efetuado o pagamento, resta apenas a homologação pelo ente público para extinguir o crédito tributário.
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
(...)
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
Esta homologação, quando não for realizada expressamente, ocorre tacitamente após o transcurso do lapso temporal de 5 anos, conforme o § 4º. do Art. 150 do CTN:
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Conforme o art. 168 do CTN, o prazo prescricional para pleitear a repetição do indébito é de 5 (cinco) anos:
Art. 168 - O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; (grifo nosso).

Conforme mencionado anteriormente, o crédito tributário dos tributos sujeitos à homologação extingue-se com a ocorrência desta. A homologação, por sua vez, ocorre tacitamente cinco anos após o pagamento do tributo. O direito do contribuinte pleitear a restituição, por seu turno, é de cinco anos, contados a partir da data da homologação, resultando assim em um lapso temporal de 10 (dez) anos,  contados a partir do pagamento do tributo, conforme ilustração abaixo:

Desta forma, um tributo pago a mais no ano de 2000 será homologado tacitamente cinco anos depois, em 2005, momento em que se extingue o crédito tributário. Com a extinção do crédito tributário, a fazenda pública não pode mais ajuizar qualquer ação de execução fiscal para obrigar o contribuinte ao pagamento.
Extinto o crédito tributário, por força do art. 168, CTN, são contados outros cinco anos, ocorrendo a decadência do direito à restituição somente em 2010, ou seja, 10 anos depois do pagamento do tributo.
Por esta razão, formulou-se nos tribunais a já consagrada “tese dos cinco mais cinco”, a qual orientava no sentido de que o sujeito passivo teria 10 (dez) anos para reaver da Fazenda Pública valores de tributos pagos a maior.
A chamada “tese dos cinco mais cinco” vigorou até o ano de 2005, quando a Lei Complementar nº. 118/2005 inseriu a seguinte norma interpretativa no ordenamento jurídico nacional:            

Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.


Ou seja, o Art. 3º. Da Lei Complementar 118 veio para dizer que, para fins de contagem de prazo para a repetição do indébito tributário, o crédito tributário se extinguiria na ocasião do pagamento antecipado, de forma que, a partir de 2005, o prazo para repetir tributos pagos indevidamente passou a ser de apenas 5 (cinco) anos.
Porém, para fatos geradores ocorridos anteriormente à entrada em vigor da lei complementar 118, continuou valendo a tese dos cinco mais cinco. Assim, as ações de repetição de indébito de tributos sujeitos à homologação ajuizadas até 09 de junho de 2010 poderão tomar por base os últimos 10 (dez) anos, enquanto aquelas ações propostas a partir desta data poderão repetir os tributos pagos indevidamente apenas nos últimos 5 (cinco) anos.

 

2.2. Correção do valor


Não há previsão legal expressa quanto à correção monetária do valor a ser ressarcido. Todavia, conforme Sabbag (2009, p. 1040) a jurisprudência é tranqüila quanto à sua plausibilidade, devendo a correção ser aplicada a partir da data do depósito ou pagamento indevido, até a data do efetivo recebimento da importância reclamada. Juros de mora, porém, incidirão no montante de 1% (um por cento) ao mês, a partir da sentença condenatória transitada em julgado.


3. A REPETIÇÃO DO INDÉBITO E A REPERCUSSÃO ECONÔMICA

A repetição do indébito dos tributos que comportem a repercussão econômica fica condicionada, nos termos do Art. 166 do CTN, a quem demonstrar que assumiu sozinho o encargo do tributo ou provar ter sido autorizado por aquele que efetivamente o suportou. No caso, o consumidor.
Para Freitas (2007, p. 717) isso se dá porque na repercussão econômica quem suporta o encargo fiscal é o contribuinte de fato e não o contribuinte de direito. Assim, somente o contribuinte de direito poderá pleitear a restituição caso comprove que não transferiu o ônus para o contribuinte de fato ou, se o transferiu, está autorizado por ele a repetir.
Tal questão, inclusive, foi até sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, na Súmula STF nº. 546, de 03/12/1969, que preceitua que “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte ‘de jure’ não recuperou do contribuinte ‘de facto’ o ‘quantum’ respectivo”.
Tomando por base a aquisição de bens de consumo em um supermercado, o consumidor é o contribuinte de fato, ou seja, aquele que vai pagar o valor do tributo incluído no preço das mercadorias. O contribuinte de direito – o supermercado – tem a obrigação de separar o valor dos tributos de seu faturamento e entregá-lo ao fisco.
O problema maior é que a maioria dos empreendedores não entende desta forma. Não raras vezes insurgem-se os mesmos e até discutem com os patronos de suas causas porque, na sua visão, foram eles mesmos quem pagaram aqueles tributos. Isso se dá principalmente pela forma com que o tributo é cobrado: ele está embutido no preço dos produtos, durante a formação do preço de venda.
Assim, se o empresário tem um volume de vendas X durante o mês e calcula o PIS/COFINS, por exemplo, na ordem de X vezes 7,6% e obtém um valor de tributo Y a ser pago, ele entende que é ele mesmo quem está efetuando o pagamento. Caso o valor apurado seja maior ou o tributo seja considerado indevido, o primeiro impulso é solicitar a devolução do valor.
Outra crítica que pode ser feita é a impossibilidade de o contribuinte de fato – na maioria dos casos, o consumidor – efetuar a repetição do indébito por si mesmo. Além das evidentes dificuldades técnicas (comprovação do pagamento a maior; valor, muitas vezes, irrisório, dentre outras) inexiste previsão legal para que o contribuinte de fato pleiteie o tributo, tendo em vista que o Art. 165 do CTN prevê apenas a restituição ao sujeito passivo da relação tributária (Freitas, 2007, p. 718 apud Hamati, 1996, p. 94). Nessa linha, a posição reiterada do Superior Tribunal de Justiça é de que o contribuinte de fato não tem legitimidade para ajuizar ação de repetição de indébito tributário, por ser pessoa alheia à relação jurídico tributária.
Assim, restam três alternativas ao contribuinte de direito que tiver pago tributo indireto indevidamente: 1) conformar-se com a perda dos valores pagos indevidamente; 2) obter autorização expressa do(s) consumidor(es) para que possa repetir o tributo indevidamente junto ao órgão tributante; e 3) demonstrar de forma inequívoca que não transferiu o encargo para o consumidor, tendo-o assumido por si próprio.
Além disso, o art. 27 da Lei 9.868/99 faculta ao Supremo Tribunal Federal, na declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, restringir os efeitos da declaração, de modo a limitar sua eficácia a partir do transito em julgado da decisão ou em outro momento por ele fixado.
A lei prevê que a chamada modulação dos efeitos da decisão deve ser aplicada apenas por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Todavia, a suprema corte tem adotado a modulação de efeitos como uma forma de inibir a repetição de tributos que, em verdade, deveriam ser restituídos aos contribuintes.
Além disso, há previsão legal para a modulação de efeitos somente no controle concentrado de constitucionalidade. Porém, a partir do julgamento do RE 197.917/SP o STF passou a admitir a modulação de efeitos também no controle difuso de constitucionalidade. Com isso, inúmeras repetições de indébito tributário estão sendo prejudicadas com a modulação de efeitos por parte do STF. As decisões que declaram a inconstitucionalidade da norma tributária tem sua retroatividade eliminada pela modulação dos seus efeitos, esvaziando as repetições de indébito tributário e prejudicando milhares de empreendedores.
Mariano (2006, p. 121) afirma que a modulação de efeitos é vista com desconfiança no Brasil, pois serve para cobranças arbitrárias de tributos que venham a ser declarados inconstitucionais, mas em decisões em que o STF fixa o inicio de sua vigência para depois do transito em julgado da decisão em determinada data, a critério de dois terços do tribunal: “A primeira hipótese implicaria em frustrar a repetição do indébito por parte dos contribuintes que recolheram o tributo declarado inconstitucional; a segunda, além de inibir a ação repetitória, significaria postergar a cobrança de um tributo inconstitucional por mais um tempo” (MARIANO, 2006, p. 122).


 

 

 

CONCLUSÃO


É certo que o objetivo das empresas é gerar riqueza para seus acionistas, remunerando os fatores de produção, obedecendo as leis do país e contribuindo para o progresso da comunidade.
Para atingir tal objetivo é importante a adequada administração da empresa. Parte da adequada administração consiste na inserção, durante o processo de formação de preços, de todos os custos incidentes sobre a produção ou comercialização. Um dos custos que devem constar obrigatoriamente nesta formação são os tributos incidentes sobre a atividade econômica da empresa, incidam eles diretamente no faturamento ou não.
Sob esta ótica, observa-se que todos os tributos fazem parte do preço pago pelo consumidor, visto que todos os custos devem ser inseridos em sua formação. Todavia, no caso dos tributos incidentes sobre o faturamento, existe a obrigatoriedade de se comprovar a concordância do adquirente do serviço ou da mercadoria em que o fornecedor obtenha a repetição do indébito tributário.
Se uma empresa paga um tributo indevidamente ela passa a ter direito à sua repetição. Condicionar a devolução de tais valores à concordância do adquirente do serviço ou mercadoria ou à comprovação de que foi o próprio fornecedor quem arcou com o encargo é expediente injusto que não deveria ser imposto pelo Poder Judiciário, todavia, observa-se reiteradamente sua aplicação.
A percepção que os empresários tem é a de que são obrigados a pagar tributos antes mesmo de receber os valores faturados. A quase totalidade dos produtos e serviços são faturados a prazo, enquanto os tributos incidentes sobre este faturamento devem ser pagos já no próximo mês. Entretanto, quando se vêem diante de uma situação em que tem direito de reaver determinados valores da fazenda pública, os empresários não se conformam com a existência de condições para a restituição e com os diversos recursos em favor da fazenda pública.
Pode-se dizer que é o consumidor final quem arca com todos os custos incidentes sobre a produção ou a prestação do serviço; se assim não fosse, o fornecedor estaria preparando, pouco a pouco, sua própria ruína. Todavia, no fim das contas, é o próprio fornecedor quem arca com todos os tributos incidentes sobre sua atividade, repassando-os aos preços praticados no mercado, de modo que não é justo que se condicione a repetição dos tributos sujeitos à repercussão econômica a quaisquer exigências.
Em verdade, o tributo indireto é uma forma de o fisco instituir obrigações tributárias de forma irresponsável e de maneira confortável, de modo que, caso tal tributo venha a ser julgado ilegal ou inconstitucional posteriormente, inexistirá uma forma de obrigar o fisco à devolução dos valores arrecadados.
Por derradeiro, é extremamente frustrante ao contribuinte ver que sua empreitada processual ensejou a declaração de inconstitucionalidade do tributo contra o qual guerreava, mas que, todavia, não se beneficiará da repetição do indébito em virtude da modulação dos efeitos da decisão, que terá apenas efeitos ex nunc.




REFERÊNCIAS





CUSTÓDIO, Antonio Joaquim Ferreira. Constituição Federal Interpretada pelo STF. 9ª. ed. São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2008.

DALVI, Fernando; DALVI, Luciano. Cálculos tributários: tributos federais, estaduais e municipais. – Leme : J. H. Mizuno, 2009.

FREITAS, Vladmir Passos de (coord). Código Tributário Nacional Comentado – Doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS. – 4ª. ed. rev. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007.

HARADA, Kiyoshi. Repetição de indébito tributário. Revista Jurídica Consulex, Ano V, nº 116, novembro/2001, p. 26.

_____________. Tributação por dentro. Revista Contábil e Empresarial Fiscolegis. 09/09/2010. Disponível em http://www.netlegis.com.br, acesso em 13/09/2010.

MARIANO, Cynara Monteiro. Controle de Constitucionalidade e Ação Rescisória em Matéria Tributária. Belo Horizonte : Del Rey, 2006.

ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Tributário. – Rio de Janeiro : Renovar, 2009.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. -  São Paulo : Saraiva, 2009.

_____________. Direito Tributário. 10. ed. – São Paulo : Premier Máxima, 2009 (Coleção elementos do direito).

Pet Shops não são obrigadas a registrarem-se no CRMV nem a contratarem médico veterinário como profissional responsável

O CRMV - Conselho Regional de Medicina Veterinária, amparado em resoluções do Conselho Federal de Medicina Veterinária, tem exigido que pequenas casas de ração que vendem produtos para animais registrem-se no referido conselho, pagando uma taxa anual. Além disso, os fiscais do CRMV obrigam tais empresas a terem contrato constante com um médico veterinário.Tais fiscais exigem o cadastro da empresa e contrato com veterinário, ainda que trata-se de estabelecimento que não vende medicamentos, não os prescreve nem pratica quaisquer atividades privativas de médico veterinário. Esta situação onera demasiadamente pequenos comerciantes, cuja margem de lucro com a venda de rações e produtos para animais é pequena.



FUNDAMENTO DA COBRANÇA


A relação jurídico-tributária possui como elementos-chave a hipótese de incidência, o fato gerador do tributo, o surgimento da obrigação tributária e a constituição do crédito tributário.
Eduardo de Moraes Sabbag1 conceitua a hipótese de incidência tributária como o “momento abstrato, previsto em lei, hábil a deflagrar a relação jurídico tributária, (...) definindo-se pela escolha, feita pelo legislador, de fatos quaisquer, no mundo fenomênico, propensos a ensejar o nascimento do episódio jurídico-tributário”.
Assim, a conduta do contribuinte somente constituirá um fato gerador quando preexistir a hipótese de incidência. O fato gerador materializa a hipótese de incidência, gerando a obrigação tributária (principal e acessória), o lançamento do crédito tributário e sua cobrança.
Todavia, no caso em tela, o requerido efetua o lançamento de suas anuidades e as cobra, sem qualquer previsão legal de hipótese de incidência, utilizando como pretextos para a exigência da exação suas próprias resoluções e o Decreto Estadual Paulista nº. 40.400/95, os quais impõem obrigações não previstas em lei aos comerciantes. A obrigação de manter médico veterinário como profissional responsável também não possui previsão legal.




DA ILEGALIDADE DA RESOLUÇÃO CFMV 592/92

A Resolução nº 592/92 do CFMV determina que empresas atuantes no comércio de rações, produtos e acessórios para animais e animais de estimação (dentre outras) sejam registradas junto aos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária e que, para tal, devem pagar-lhes uma taxa de inscrição e anuidade (Art. 1º., VI). Fundamenta sua interpretação no art. 27 da lei 5.517, que diz:


Art. 27 As firmas, associações, companhias, cooperativas, empresas de economia mista e outras que exercem atividades peculiares à medicina veterinária previstas pelos artigos 5º e 6º da Lei nº 5.517, de 23 de outubro de 1968, estão obrigadas a registro nos Conselhos de Medicina Veterinária das regiões onde funcionarem. 
§ 1º As entidades indicadas neste artigo pagarão aos Conselhos de Medicina Veterinária onde se registrarem, taxa de inscrição e anuidade. 
§ 2º O valor das referidas obrigações será estabelecido através de ato do Poder Executivo. 


O referido artigo determina o registro somente para aquelas pessoas jurídicas que exerçam as atividades previstas nos artigos 5º e 6º da Lei nº 5.517/68. Tais artigos mencionam o rol de atividades privativas dos médicos veterinários, nos quais não se observa a prática do comércio “de rações e pequenos animais de estimação” como se as mesmas fossem de competência privativa do médico veterinário:


Art. 5º É da competência privativa do médico veterinário o exercício das seguintes atividades e funções a cargo da União, dos Estados, dos Municípios, dos Territórios Federais, entidades autárquicas, paraestatais e de economia mista e particulares:
a) a prática da clínica em tôdas as suas modalidades;
b) a direção dos hospitais para animais;
c) a assistência técnica e sanitária aos animais sob qualquer forma;
d) o planejamento e a execução da defesa sanitária animal;
e) a direção técnica sanitária dos estabelecimentos industriais e, sempre que possível, dos comerciais ou de finalidades recreativas, desportivas ou de proteção onde estejam, permanentemente, em exposição, em serviço ou para qualquer outro fim animais ou produtos de sua origem;
f) a inspeção e a fiscalização sob o ponto-de-vista sanitário, higiênico e tecnológico dos matadouros, frigoríficos, fábricas de conservas de carne e de pescado, fábricas de banha e gorduras em que se empregam produtos de origem animal, usinas e fábricas de lacticínios, entrepostos de carne, leite peixe, ovos, mel, cêra e demais derivados da indústria pecuária e, de um modo geral, quando possível, de todos os produtos de origem animal nos locais de produção, manipulação, armazenagem e comercialização;
g) a peritagem sôbre animais, identificação, defeitos, vícios, doenças, acidentes, e exames técnicos em questões judiciais;
h) as perícias, os exames e as pesquisas reveladores de fraudes ou operação dolosa nos animais inscritos nas competições desportivas ou nas exposições pecuárias;
i) o ensino, a direção, o contrôle e a orientação dos serviços de inseminação artificial;
j) a regência de cadeiras ou disciplinas especìficamente médico-veterinárias, bem como a direção das respectivas seções e laboratórios;
l) a direção e a fiscalização do ensino da medicina-veterinária, bem, como do ensino agrícola-médio, nos estabelecimentos em que a natureza dos trabalhos tenha por objetivo exclusivo a indústria animal;
m) a organização dos congressos, comissões, seminários e outros tipos de reuniões destinados ao estudo da Medicina Veterinária, bem como a assessoria técnica do Ministério das Relações Exteriores, no país e no estrangeiro, no que diz com os problemas relativos à produção e à indústria animal.


Art. 6º. Constitui, ainda, competência do médico-veterinário o exercício de atividades ou funções públicas e particulares, relacionadas com:
a) as pesquisas, o planejamento, a direção técnica, o fomento, a orientação e a execução dos trabalhos de qualquer natureza relativos à produção animal e às indústrias derivadas, inclusive as de caça e pesca;
b) o estudo e a aplicação de medidas de saúde pública no tocante às doenças de animais transmissíveis ao homem;
c) a avaliação e peritagem relativas aos animais para fins administrativos de crédito e de seguro;
d) a padronização e a classificação dos produtos de origem animal;
e) a responsabilidade pelas fórmulas e preparação de rações para animais e a sua fiscalização;
f) a participação nos exames dos animais para efeito de inscrição nas Sociedades de Registros Genealógicos;
g) os exames periciais tecnológicos e sanitários dos subprodutos da indústria animal;
h) as pesquisas e trabalhos ligados à biologia geral, à zoologia, à zootecnia bem como à bromatologia animal em especial;
i) a defesa da fauna, especialmente o contrôle da exploração das espécies animais silvestres, bem como dos seus produtos;
j) os estudos e a organização de trabalhos sôbre economia e estatística ligados à profissão;
l) a organização da educação rural relativa à pecuária.


Ora, não se observa, no rol das atividades privativas de médico veterinário, o comércio de rações, produtos e acessórios para animais e o comércio de pequenos animais de estimação. A mencionada resolução não apenas instrumentalizou a lei que visou regulamentar (sua real finalidade), mas criou norma nova, prática vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Assim, observa-se que o CFMV e o CRMV exigem o pagamento de uma taxa ilegal, não prevista em lei; criada somente em sua própria resolução, sem nenhum amparo legal que a possa sustentar. Por esta razão a cobrança tem sido afastada nos tribunais de todo o país. Nos Tribunais Regionais Federais:


ADMINISTRATIVO. COMÉRCIO DE RAÇÕES E DE ANIMAIS. LEI Nº 5.517/68. REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. DESNECESSIDADE. RESOLUÇÃO Nº 592/92. ILEGALIDADE.
1. De acordo com a Lei nº 5.517/68, as firmas, associações, companhias, cooperativas, empresas de economia mista e outras que exercem atividades peculiares à medicina veterinária estão obrigadas a registro nos Conselhos de Medicina Veterinária das regiões onde funcionarem.
2. Hipótese em que, desempenhando a impetrante o comércio de rações e de animais de pequeno porte, faz-se indevida a exigência de inscrição no Conselho Regional de Medicina Veterinária e, conseqüentemente, o pagamento da respectiva anuidade, bem como a prova de ter a seu serviço médico-veterinário.
3. A Resolução nº 592/92, ao impor às firmas que comercializam produtos de uso animal ou rações para animais ou se dedica à comercialização de peixes ornamentais o dever de registro junto ao CRMV, acha-se enodoada de ilegalidade, por constituir obrigação não prevista em lei.
4. Remessa oficial improvida. (TRF – 5ª Reg. – 4ª T., REOMS nº 2004.80.00.001254-2, Rel. Des. Edílson Nobre)



ADMINISTRATIVO - CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA - DESOBRIGATORIEDADE DE REGISTRO DAS EMPRESAS DA ÁREA DE COMERCIALIZAÇÃO DE RAÇÃO - DESOBRIGATORIEDADE QUE PERMANECE MESMO QUE EXISTA COMÉRCIO DE ANIMAIS VIVOS.
1. A Lei n.º 6.839/80 prevê, em seu artigo 1º, o critério da obrigatoriedade do registro das empresas ou entidades nos respectivos órgãos fiscalizadores ao exercício profissional, apenas e tão somente, nos casos em que sua atividade básica decorrer do exercício profissional, ou em razão da qual prestam serviços a terceiros.

2. Não sendo a atividade básica do impetrante a medicina veterinária, razão pela qual não pode ser obrigada ao registro no órgão fiscalizador, mesmo que exista comércio de animais vivos.
3.Apelação improvida.
(TRF – 3ª Reg. –  AMS nº 2004.61.24.000710-0, Rel. Juiza Cecilia Marcondes, Julg. 27/09/2006; Publ. DJU, 01/11/2006, p. 239)



O Tribunal Regional da 4ª. Região chegou a decidir que mesmo o comércio de medicamentos veterinários não obriga ao registro no CRMV nem à manutenção de médico veterinário como responsável técnico:


Administrativo. Conselho Regional de Medicina Veterinária - Lei n° 5.517/68, art. 27 e art. 28, Lei n° 5.634/70, art. 1 ° - Não está sujeita ao registro no CRMV, nem está obrigada a manter como responsável técnico médico veterinário, microempresa que apenas comercializa medicamentos veterinários e ração de alimentação animal. Sentença confirmada. (TRF 4° Região – Processo 89.04.09841-6 - Rel. Teori Albino Zavascki)


O Superior Tribunal de Justiça há tempos vem decidindo no sentido de não reconhecer a obrigatoriedade do registro no CRMV e de contratação de responsável técnico para estabelecimentos que comercializam de produtos agropecuários:


ADMINISTRATIVO – CONSELHO PROFISSIONAL – ARMAZÉM DE MERCADORIAS DIVERSAS, DENTRE AS QUAIS ARTIGOS AGROPECUÁRIOS.

1. A Lei 6.839/80 e a jurisprudência entendem que o registro em conselho Profissional observa a atividade preponderante em cada caso.

2. A Lei 5.517/68, nos artigos 5º e 6º, elenca as atividades privativas do médico veterinário, não estando ali incluídos os estabelecimentos que vendem mercadorias agropecuárias.

3. Recurso especial improvido. (REsp 447844/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16.10.2003, DJ 03.11.2003 p. 298)


AGRAVO REGIMENTAL – CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA/RS – TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL – EXERCÍCIO DE COMÉRCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS – INEXIGIBILIDADE DE REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA – RECUSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Merece acolhimento a alegação de que a autarquia federal goza do privilégio estatuído no art. 188, do CPC, por força de alteração legislativa conferida pela Lei 9.469/97. Conhecimento do Recurso Especial.
2. Nas razões do recurso especial, sustenta a recorrente que a ora recorrida exerce atividade de comercialização de produtos veterinários, razão pela qual é obrigada a dispor de médico veterinário como responsável técnico.
3. Nos termos do art. 1º da Lei n. 6.839/80, o critério legal para a obrigatoriedade de registro perante os conselhos profissionais, assim como para a contratação de profissional específico, é determinado pela atividade básica ou pela natureza dos serviços prestados pela empresa.
4. No caso dos autos, como expõe o Tribunal a quo, a recorrida exerce comércio de produtos agropecuários em geral, e não presta serviço na área de medicina veterinária, razão pela qual faz-se desnecessário seu registro no Conselho Regional de Medicina Veterinária. Precedentes. Logo, conclui-se que o recurso especial não merece provimento. Agravo Regimental improvido.(AgRg no REsp 739422/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22.05.2007, DJ 04.06.2007 p. 328)




ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. COMÉRCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS. REGISTRO. NÃO-OBRIGATORIEDADE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ.
1. A obrigatoriedade de inscrição no órgão competente subordina-se à efetiva prestação de serviços, que exijam profissionais cujo registro naquele Conselho seja da essência da atividade desempenhada pela empresa.
2. In casu, a recorrida, consoante evidenciado pela sentença, desempenha o comércio de produtos agropecuários e veterinários em geral, como alimentação animal, medicamentos veterinários e ferramentas agrícolas, portanto, atividades de mera comercialização dos produtos, não constituindo atividade-fim,  para fins de registro junto ao Conselho Regional de Medicina veterinária, cujos sujeitos são médicos veterinários ou as empresas que prestam serviço de medicina veterinária (atividade básica desenvolvida), e não todas as indústrias de agricultura, cuja atividade-fim é coisa diversa.
3. Aliás, essa é a exegese que se impõe à luz da jurisprudência desta Corte que condiciona a imposição do registro no órgão profissional à tipicidade da atividade preponderante exercida ou atividade-fim porquanto a mesma é que determina a que Conselho profissional deve a empresa se vincular. Nesse sentido decidiu a 1ª Turma no RESP 803.665/PR, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 20.03.2006, verbis: "ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. COMÉRCIO DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS. REGISTRO. NÃO-OBRIGATORIEDADE.
1. A atividade básica da empresa vincula a sua inscrição e a anotação de  profissional habilitado, como responsável pelas funções exercidas por esta empresa,  perante um dos Conselhos de fiscalização de exercício profissional.
2. A empresa cujo ramo de atividade é o comércio de produtos agropecuários e veterinários, forragens, rações, produtos alimentícios para animais e pneus não exerce atividade básica relacionada à medicina veterinária, e, por conseguinte, não está obrigada, por força de lei, a registrar-se junto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária.
3. Precedentes do STJ: REsp 786055/RS, 2ª Turma, Min.  Castro Meira, DJ de 21.11.2005; REsp 447.844/RS, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ de 03.11.2003.
4. Recurso especial a que se nega provimento." 4. Recurso especial desprovido.
(REsp 724551/PR, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 31/08/2006 p. 217)

Observa-se assim o maciço entendimento jurisprudencial de que o registro junto ao CRMV não é obrigatório para empresas que não praticam atos privativos de médico veterinário e, portanto, a resolução que obriga as empresas a fazê-lo está afrontando manifestamente a legislação federal e sua interpretação jurisprudencial.



O Decreto Estadual 40.400/95 e os limites ao poder de regulamentar

A segunda coluna de sustentação empregada pelos conselhos na exigência do registro, na cobrança de anuidades e na determinação de contratação de médico veterinário é o Decreto do Estado de São Paulo nº. 40.400/1995, que aprovou a Norma Técnica Especial relativa à instalação de estabelecimentos veterinários e assim dispõe:

Artigo 1º - Consideram-se estabelecimentos veterinários para os efeitos desta Norma Técnica Especial:
(...)
XXIII - "pet shop": a loja destinada ao comércio de animais, de produtos de uso veterinário, exceto medicamentos, drogas e outros produtos farmacêuticos, onde pode ser praticada a tosa e o banho de animais de estimação; (...)

Conforme se pode perceber, o ato administrativo praticado pelo Governador do Estado de São Paulo considera estabelecimento veterinário os estabelecimentos comerciais de venda de animais de estimação e produtos para animais, em clara afronta ao disposto na Lei nº. 5.517/68, que não insere estas práticas entre as privativas de médico veterinário e, portanto, não considera tais estabelecimentos comerciais como sendo empresas veterinárias.
Fica claro que o Administrador Público extrapolou os limites de sua atuação, criando norma nova, estabelecendo obrigações não previstas em lei, ferindo de morte o Princípio Constitucional da Reserva Legal, que preconiza que ninguém fará nada a não ser em virtude de lei. Ora, o decreto, ainda que goze de relativa força normativa, não pode ultrapassar os limites da lei que visa regulamentar. Falando a respeito do poder administrativo normativo, ensina Marcio Pestana2 que


A pedra de toque a respeito é identificar-se, com precisão, os limites normativos próprios dos atos administrativos, em relação àqueles inerentes à lei. Isto porque há domínios distintos que devem ser respeitados, sob pena de grave infringência, às últimas, ao próprio regime de separação de poderes abrigado pela Constituição Federal, ao qual, no ponto sob destaque, distingue as competências dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, não admitindo, em regra, que a competência legiferante seja transferida ao Executivo, nem admitindo, ao reverso, que o Executivo passe a exercer competência legiferante, não obstante registrar-se, atualmente, de maneira algo intensa, o fenômeno da deslegalização ou delegificação.


O posicionamento uníssono dos Tribunais Regionais Federais é de que a empresa que não pratica atividade privativa de médico veterinário (Artigos 5 e 6 da Lei 5.517/68), não deve ser registrada nem taxada pelo CRMV. Além disso, o comércio de animais vivos não é de competência privativa de médico veterinário e, portanto, não enseja sequer a necessidade da contratação deste profissional para o regular exercício de suas atividades.
Este é o entendimento inclusive do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, no qual o referido decreto estaria vigente, conforme se depreende do seguinte acórdão:


MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. REGISTRO DE EMPRESA QUE TEM COMO ATIVIDADES BÁSICAS A COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS VETERINÁRIOS E ANIMAIS DE PEQUENO PORTE. NÃO-OBRIGATORIEDADE. CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL DA ÁREA. DESNECESSIDADE

1. Da leitura da Lei n.º 5.517/68 não se depreende a obrigatoriedade da contratação de médicos veterinários para atividades empresariais que se limitam à comercialização de produtos veterinários ou medicamentos ou, até mesmo, a venda de animais de pequeno porte.

2. A venda de animais vivos, de natureza eminentemente comercial, não pode ser caracterizada como atividade ou função específica da medicina veterinária. Nestes casos, as empresas sujeitam-se à inspeção sanitária, não se justificando a obrigatoriedade de inscrição no CRMV  ou de manutenção de médico veterinário.

3.  Apelação provida e remessa oficial improvida.
(AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 272849. Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA. TRF3, 6ª. Turma. Julgamento em 27/11/2008. Publ. DJF3 DATA:12/01/2009 PÁGINA: 555), grifos nossos.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a inscrição no CRMV e a manutenção de médico veterinário é obrigatória somente às empresas têm por atividade aquelas mencionadas nos artigos 5º e 6º da Lei 5.517/68. (REsp 447844 / RS e AgRg no REsp 739422).
Impor a exação ao microempresário, que comercializa rações, produtos para animais e pequenos animais vivos para criação doméstica, data venia, beira o abuso, visto que o mesmo já se encontra sufocado pela pesada carga tributária que assola o faturamento das pessoas que trabalham e geram emprego e renda para o país.
A pequena margem de lucro mensal do autor é solapada pela obrigatoriedade de pagar a taxação do CRMV e pela necessidade de pagar uma mensalidade ao médico veterinário, que nada faz pela empresa, exceto enviar um mensageiro todos os meses para receber o valor.
A taxação do CRMV e a contratação de médico veterinário trazem custos extremamente onerosos para o autor, que única e tão somente comercializa rações, acessórios para animais e pequenos animais vivos para criação doméstica.


O QUE FAZER?


O proprietário de pet shop e de casa de rações que não concordar com a taxação do CRMV nem aceitar a contratação e pagamento mensal de médico veterinário deve procurar um advogado de sua confiança para manejar a devida Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Tributária.Caso venha sofrendo coação por parte dos fiscais do CRMV, pode ainda ajuizar um Mandado de Segurança.
Em ambos os casos é possível obter-se uma liminar que suspenda o pagamento de taxas e a contratação de veterinário até o final da ação. Contratos em curso deverão ser estudados para que se observe a possibilidade de rescisão, a existência de multa contratual, etc.
É possível ainda solicitar a devolução dos valores pagos nos últimos 5 (cinco) anos a título de anuidades ao Conselho Regional de Medicina Veterinária.
Nas ações que foram ajuizadas por nosso escritório os clientes foram desobrigados do registro junto ao CRMV e da contratação de médico veterinário como profissional responsável. O CRMV foi também condenado a devolver os valores pagos indevidamente a título de taxa.

E-MAIL: carneiroecandido@gmail.com


4. REFERÊNCIAS
 1Manual de Direito Tributário, 2009, p.615.
2Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro : Elsevier, 2008, p. 207